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Mudando as regras do jogo… as mudanças regulatórias na geração distribuída no Brasil


O crescimento de projetos fotovoltaicos no Brasil tem sido bastante impressionante – durante os últimos 6 anos a capacidade instalada alcançou 10 GW, apesar dos eventuais ‘desafios’ econômicos, que tendem a afligir o país.


Imagem: Divulgação


E embora o Brasil possa apresentar condições quase perfeitas para a geração fotovoltaica centralizada, esse mercado tem sido mais voltado à geração distribuída do que à geração centralizada, tanto que em torno de 65% da capacidade instalada tem sido projetos de GD.


O extraordinário desenvolvimento da GD solar no Brasil pode ser atribuído a vários fatores, entre eles o aumento incessante do preço de energia elétrica, a redução significativa do preço de painéis fotovoltaicos, mas, também, graças à um robusto marco regulatório.



Em 2012, a ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) decretou a Resolução 482, que permitiu a geradores de energia FV e de outras fontes com potência até 1MW (ca) de conectarem-se à rede elétrica e, caso necessário, injetar seus excedentes de energia.


Em essência, a Resolução 482 está baseada no princípio de ‘net metering’, com o qual o usuário de um sistema de GD pode usar a rede como uma ‘bateria virtual’.


Graças a esta regra, 100% da energia excedente que é injetada na rede é ‘compensada’ através de um crédito de energia ao usuário do sistema de GD.


Imagem: Divulgação


No entanto, nem todos os usuários enxergarão o valor total da energia injetada como crédito na sua conta de luz.


Mas isso não se deve às regras de compensação, mas sim à interpretações divergentes sobre a incidência de ICMS na compensação de energia nos diferentes estados brasileiros.


Vale a pena destacar que em comparação com outros países, a ANEEL tem uma autonomia bastante ampla na hora de decretar regulamentação par ao setor elétrico.


Na Alemanha, por exemplo, as regras que governam o uso de energia solar, o chamado EEG (Erneuerbare-Energien-Gesetz), é uma lei decretada pelo Bundestag (o parlamento alemão).



No Brasil, a Resolução 482 é um decreto publicada pela ANEEL. A agência tem que submeter todas suas propostas regulatórias à consultas públicas e seguir as diretrizes definidas por lei.


Porém, dentro desses limites, a ANEEL tem autonomia para definir as regras do jogo e não tem que submeter seus decretos ao Congresso ou ao governo federal.


Imagem: Divulgação


Ao longo dos anos, a Resolução 482 passou por várias revisões e mudanças, a mais importante sendo a Resolução 687/2015.


Na ocasião, a ANEEL aumentou o tamanho máximo de projetos de GD de 1MW para 5MW. Adicionalmente, essa resolução prevê vários tipos de ‘GD remota’, onde geração e consumo não mais precisam estar localizados no mesmo lugar.



Usuários podem gerar energia em um ponto de rede e usar o crédito energético gerado para compensar seu consumo em várias outras localidades, desde que os pontos de geração e consumo estejam localizados dentro da área de atuação da mesma distribuidora de energia elétrica.


Essas mudanças regulatórias, juntos com melhoras na viabilidade econômica fez com que a GD decolasse no Brasil.


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O número de novos projetos conectados à rede foi de 1.400 em 2015 para 210.000 em 2020.


De janeiro até agosto de 2021, 191.000 novos projetos foram conectados, o que significa que o número total poderá alcançar, ou até superar 300.000 novas conexões até o final do ano.


A ANEEL sempre tem deixado claro que as regras do GD seriam sujeitas a revisão, dependendo da evolução do setor. E, provavelmente, o crescimento da GD tem até superado as expectativas da agência.



Em 2018 a ANEEL lançou uma consulta pública (CP 10) para coletar opiniões do setor elétrico e da sociedade em geral sobre mecanismos e dados para a avaliação dos benefícios e custos da GD ao setor elétrico.


Logo ficou claro que as regras de compensação de energia, ou seja, a quantidade de crédito pelo excedente de produção injetado na rede seria o foco da discussão.


No Brasil, como em qualquer outro país, a tarifa de energia é composta por vários componentes.


De um lado, há o custo da energia, que por sua vez é composto pelo custo líquido de energia (também chamado de ‘TE’) e os chamados ‘encargos de energia’, cobrindo subsídios para consumidores em localidades remotas, subsídios para consumidores de baixa renda, fundos para projetos de P&D, e outros.


Imagem: Divulgação


Por incrível que pareça, os encargos de energia também incluem aproximadamente R$1

bilhão por ano em subsídios para o uso do carvão nacional para geração de energia elétrica.


Mas isso é assunto para um outro artigo. Do outro lado, há as taxas de distribuição (também chamadas ‘TUSD’), que por sua vez são compostas pelo chamado ‘Fio A’, que paga pelo usa da rede de transmissão, e o ‘Fio B’, que remunera as distribuidoras de energia elétrica.


Também são cobrados encargos de transmissão, relacionados ao transporte de energia, e ainda há a compensação pelas perdas de energia na transmissão e distribuição.



Adicionalmente, os estados cobram o ICMS, que varia entre 18% e 32%, e, adicionalmente, o governo federal ainda cobra PIS/COFINS, cuja alíquota está em torno de 5%.


Inicialmente, entidades e empresas do setor fotovoltaico foram levados a acreditar que a ANEEL adotaria uma abordagem analítica, tentando balancear os custos e os benefícios da GD.


Afirmações feitas pela agência durante audiências públicas no começo do ano de 2019 indicavam que as novas regras de compensação poderiam ficar entre manter o status-quo e cobrar uma quantidade equivalente ao Fio B.


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No entanto, no final de 2019, a ANEEL lançou outra consulta pública (CP 25/2019) para apresentar e coletar comentários em uma proposta regulatória que ela havia preparada ao longo do ano.


Para a surpresa do setor solar, a agência apresentou várias opções e recomendou uma proposta radicalmente diferente do que havia sido discutido anteriormente, a chamada ‘Alternativa 5’.



Neste cenário, o excedente de energia seria compensado com apenas o equivalente da TE, que na maioria dos casos representa menos de 40% do custo total de energia (sem tributos).


Os 60% restantes seriam retidos a título de compensação pelo uso da rede. Conceitualmente falando, isto significaria que a energia gerada e injetada por um sistema de GD voltaria até uma usina de grande porte, usando a capacidade tanto da rede de distribuição (média tensão), como da rede de transmissão (alta tensão).


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Não precisa de diploma em engenharia elétrica para entender que este cenário seria extremamente improvável.


Quase sempre, o excedente de energia produzido por um sistema de GD será absorvido pelos consumidores na sua vizinhança.


Para piorar o cenário ainda mais, as novas regras propostas pela ANEEL não seriam apenas aplicadas a novos projetos, mas também a instalações existentes.



A CP 25/2019 causou um intenso debate entre proponentes e céticos da energia solar. O setor da GD adotou o lema ‘taxar o sol não’, enquanto a ABRADEE e outras entidades descreveram a GD solar como um ‘Robin Hood às avessas’.


Na visão deles, usuários de GD, a maioria deles sendo empresas e pessoas de média e alta renda, estariam sendo subsidiadas por todos os consumidores, inclusive por consumidores de baixa renda.


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O tópico rapidamente entrou na arena política. O presidente declarou-se ser a favor da GD solar, enquanto o Ministério de Economia adotou uma posição mais crítica, argumentando que a Resolução 482 resultaria no desembolso de subsídios implícitos que valiam bilhões de reais.


Eventualmente, várias propostas legislativas foram elaboradas pelo Congresso, deixando claro que o futuro da GD não seria decidido pela ANEEL, mas sim pelo parlamento.


Ao longo do ano de 2020 a discussão política não avançou muito, devido à pandemia e suas repercussões sociais e econômicas.



Ao mesmo tempo, a GD solar alcançou novos recordes. Apesar da pandemia, 2,6 GW de novas instalações foram conectadas à rede durante o ano passado.


Com as discussões continuando ao longo deste ano, eventualmente as propostas legislativas foram consolidadas no PL (‘projeto de lei’) 5829.


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Após várias rodadas adicionais de negociações, e alguns ajustes de última hora, uma esmagadora maioria dos congressistas aprovaram o PL 5829 em 18 de agosto de 2021.


Para efetivar-se, o PL ainda terá que ser aprovado pelo Senado, em seguida, ser encaminhado para a sanção presidencial.


Cabe ao presidente aprovar o PL, tornando-o lei, ou mandá-lo de volta ao Congresso para novas deliberação.



Vale destacar que, desde 2019 a ABSOLAR (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica) tem desempenhado um papel extremamente importante em moldar a opinião pública e o entendimento dos legisladores sobre a GD solar e os benefícios desta para o setor elétrico.


Sem sombra de dúvida, as atividades da associação, as múltiplas apresentações, entrevistas, publicações técnicas, sem contar as inúmeras reuniões presenciais em Brasília, foram decisivas para impulsionar o tópico em discussões no Congresso e na sociedade como toda.


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O PL 5829 representa um enorme avanço no marco regulatório da geração distribuída, mas também é mais complexo que as resoluções da ANEEL que irá substituir.


Vamos dar uma olhada nas principais mudanças passo a passo –



Primeiro, uma boa notícia: projetos já instalados que já estão conectados à rede vão poder operar sob a atual regulação até o final de 2045.


Essa regra também se estende a projetos solicitando a conexão à rede nos próximos 12 meses, aderindo ao mesmo prazo de 23 anos, após os quais, tal projeto entra na nova legislação.


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Assim que o PL 5829 entrar em vigor, se iniciará um processo de avaliação contínua de custos e benefícios, no qual o primeiro passo será a publicação de diretrizes pelo CNPE (Conselho Nacional de Política Energética), cuja coordenação está nas mãos do Ministério de Minas e Energia (MME).



Orientando-se nas diretrizes publicadas pelo CNPE, a ANEEL calculará os custos e benefícios de GD e determinará valores futuros de compensação após o período de transição.


Futuros projetos, cujas solicitações de conexão são submetidas entre o 13˚ ao 18˚ mês após a publicação da nova lei.


É importante lembrarmos que, as regras mencionadas acima apenas se aplicarão aos projetos GD ‘on-site', projetos de GD remota com capacidade inferior a 500 kW, além daqueles projetos de geração compartilhada, onde o maior beneficiário recebe menos que 25% do total de energia gerada.



Para projetos de GD remotos acima de 500 kW, e demais projetos de geração compartilhada, as seguintes regras se aplicam –


O tamanho máximo de capacidade para fontes não despacháveis, como é o caso com solar, vai de 5 MW para 3 MW (ca) por planta.


Para fontes despacháveis, tais como pequenas usinas hidrelétricas, o limite de 5 MW (ca) será mantido.


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O custo de uso da rede para a compensação de energia será de 29,3% entre 2023 e 2028. Após 2028, o percentual será determinado no encontro de contas.


Além dessas novas regras de compensação de energia, o PL 5829 também traz várias outras mudanças importantes –



Contratação da demanda – originalmente, a Resolução 482 exigia que qualquer unidade geradora com capacidade acima de 75 kW (ca) contratasse demanda, como se fosse consumidor comercial ou industrial em média tensão.


Esta demanda é quantificada conforme a potência nominal do sistema de GD no seu ponto de conexão, independentemente da quantidade de energia produzida ou da curva de geração do sistema.


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As tarifas de demanda variam bastante entre as distribuidoras de energia, mas podem ser bastante caras, alcançando valores de até R$ 50/kW/mês em alguns casos.


Sem dúvida, a demanda representa o maior custo operacional de uma usina de GD fotovoltaica.


Conforme as novas regras estabelecidas pelo PL 5829, sistemas de GD pagam a ‘TUSDg’, tarifa de demanda aplicável à unidades geradoras, que é significativamente mais baixa (mais de 50%) que as tarifas de demanda cobradas de consumidores.



Elegibilidade para debêntures de infraestrutura incentivadas – no futuro, projetos de GD serão elegíveis para debêntures incentivadas, o que representa um benefício interessante, sobretudo para desenvolvedores de projetos e empresas de investimento focadas em GD.


Distribuidoras ‘virtuais’ – possivelmente, este seja um dos aspectos mais interessantes do PL 5829: consumidores participando de projetos de geração compartilhada poderão transferir suas contas de luz para o operador da sua planta geradora, efetivamente transformando-o em uma espécie de distribuidora de energia ‘virtual’.


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Garantia de fiel cumprimento – projetos com potência superior a 500 kW (ca) terão que apresentar uma garantia de fiel cumprimento antes de poder conectar-se com a rede.


Para projetos com uma capacidade entre 500 kW e 1 MW será cobrado uma garantia equivalente a 2,5% do investimento declarado, e para projetos acima de 1 MW a valor será de 5,0%.



Em síntese, o PL5829 representa uma melhoria real e muito significativa para a GD solar e a geração distribuída em geral no Brasil.


Ele também marca o começo de um novo capítulo para a GD no Brasil, facilitando o crescimento futuro e o amadurecimento do setor.


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Mas, como sempre, existem algumas dúvidas e pontos menos favoráveis, que merecem ser destacados –

Apesar de muitas análises e inúmeros debates, ainda não há consenso sobre os benefícios da GD solar para o setor elétrico brasileiro.


O fato que futuras porcentagens de compensação serão determinadas pela metodologia de encontro de contas não resolve o problema de incerteza regulatória, apenas o posterga.



Dado que os planos de negócios da maioria dos projetos solares são avaliados dentro de horizontes de tempo de 20 a 25 anos, essa incerteza fará com que a GD se torne menos competitiva do que ela realmente poderia ser.


Vários aspectos do PL, como por exemplo a definição das ‘garantias de cumprimento’, ou a operação dos projetos de geração distribuída terão que ser melhor especificadas em novas resoluções da ANEEL.

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Muitos analistas implicitamente assumem que tanto o Senado, como o presidente serão rápidos em sancionar o PL.


Porém, dada a atual situação política em Brasília, infelizmente, não podemos ter certeza à respeito do prazo de aprovação e publicação do PL 5829.


Porém uma coisa é certa – os 12 meses de transição entre a Resolução 482 e essa nova lei representa um avanço, não somente para o setor de GD, mas para o setor elétrico como um todo.



Vale a pena lembrar que nesse momento, o Brasil enfrenta uma das mais severas crises hídricas, o que aumenta cada vez mais o risco de racionamento de energia.


Por isto, cada MWh de energia produzido por sistemas de GD será muito bem-vindo e contribuirá para postergar o esgotamento das reservas hídricas disponíveis para geração de energia.


THE AUTHORS:

MARKUS VLASITS, FOUNDER AND MANAGING DIRECTOR NEWCHARGE ENERGY


Markus is the managing director of NewCharge Energy, an engineering and project development company, focused on energy storage and PV energy and headquartered in Florianópolis. Markus has a long history in the photovoltaic sector - he was vice president of Q-Cells in Germany, executive director of Yingli Green Energy of Brazil and co-founder and commercial director of Faro Energy, an investment company focused on photovoltaic projects for commercial and industrial clients. He also coordinates the energy storage working group at ABSOLAR, Brazil's leading solar association. He is Austrian and has lived in Brazil since 2012.


©Markus Vlasits, director of NewCharge



GUILHERME NIZOLI, ELECTRICAL ENGINEER, NEWCHARGE


Guilherme Nizoli is Electrical Engineer at Newcharge, where he supports engineering solutions, business modeling and strategical consulting, focused on storage. He has previous regulatory experience on the Brazilian electricity sector, having contributed in many regulation improvement processes on storage, utility-scale and distributed generation. He has also participated in the discussion about the distributed generation legal framework, that it is under analysis at the senate.



© Guilherme Nizoli, electrical engineer at


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