Crise hídrica: maior hidrelétrica de SP já opera no volume morto. Até quando vai a crise hídrica? Ministro da Energia não está otimista. As Cataratas do Iguaçu estão quase irreconhecíveis.
©ricmais news portal
Apesar de tratar-se de um problema causado por efeitos regionais, tais como o desmatamento da mata ciliar ao longo do rio Iguaçu, a falta d’água nas cataratas simboliza um problema maior que afeta todo o Brasil.
O pais está enfrentando uma situação considerada como a pior seca em 90 anos. Embora seja um problema complexo, causado por muitos fatores, especialistas destacam a importância de três fenômenos causadores: o efeito La Ninã, preponderante durante o ano de 2020 e o primeiro semestre de 2021, o desmatamento da Amazônia, e o aquecimento global.
As consequências desta crise hídrica sobre o cotidiano dos brasileiros estão ficando cada vez mais claras: os preços de alimentos – tais como arroz, feijão, laranja e café – estão subindo, e o nível de água nos reservatórios das grandes usinas hidrelétricas não para de cair.
O Brasil possui uma vasta e complexa rede energética – o chamado SIN (Sistema Interligado Nacional) – que interliga a maior parte de seu enorme território e fornece energia a mais de 90% dos brasileiros.
Da energia elétrica gerada, 56% vêm das grandes usinas hidrelétricas, que geram mais energia que todas as demais fontes combinadas.
Dentro deste complexo hidrelétrico, o Subsistema Sudeste/Centro-Oeste é de especial importância.
É um subsistema composto por 57 grandes usinas, a maioria delas localizadas na bacia hidrográfica do Rio Paraná.
Esta bacia é composta pelo rio Paraná e seus afluentes, se estende desde a região central do Brasil ao sul em direção à Argentina, e tem uma área de 820.000 km2.
Não seria exagero afirmar que as usinas localizadas na bacia do rio Paraná representam o fundamento da matriz elétrica brasileira.
O ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), o órgão federal responsável pela administração da rede elétrica e o despacho de usinas, vem publicando números alarmantes sobre a quantidade de água disponível nos reservatórios localizados na bacia hidrográfica do Paraná.
Em junho, o volume de água disponível caiu para 29% da sua capacidade total. Não é a primeira vez que este subsistema enfrenta uma seca: tanto em 2001 como em 2014, o Brasil enfrentou uma situação semelhante.
Em 2001 acabou resultando em racionamento compulsório de energia. Em 2014, foi possível evitar o racionamento, através do despacho extensivo de usinas térmicas caras (e poluentes).
No entanto, esse despacho emergencial saiu muito caro, como se revelaria nos anos seguintes.
Tudo indica que a situação em 2021 é mais grave do que em 2001 ou 2014. A queda prevista para os meses de inverno pode fazer com que o subsistema centro-sudeste caia para menos de 10% até o final de novembro.
A esse nível de água, pode ser inseguro operar as grandes usinas do Subsistema Sudeste/Centro-Oeste, como alertaram recentemente dois diretores do ONS.
Evolução dos níveis de água em reservatórios hidrelétricos no Subsistema Sudeste/Centro-Oeste – 2001, 2014 vs. previsão para 2021
©ONS, Valor Econômico
A oscilação dos níveis de água entre a estação úmida e a estação seca do ano é perfeitamente normal.
Ao longo do ano de 2001, os níveis caíram de forma acentuada, mas se recuperaram totalmente ao longo dos anos seguintes.
No entanto, isto não aconteceu após a crise hídrica de 2014. Durante o período de 2014 e 2021, vários grandes reservatórios no Sudeste não chegaram a ultrapassar os 50% da sua capacidade total.
O gráfico abaixo mostra a evolução dos níveis de água para a usina hidrelétrica Emborcação, uma das maiores no Subsistema Sudeste/Centro-Oeste.
Alarmado com números recentes e com a perspectiva de uma crise energética impactando nas eleições presidenciais de 2022, o governo federal entrou em ação.
No dia 28 de junho o ministro de Minas e Energia apareceu em rede nacional, reafirmando que o sistema energético nacional está seguro, apesar das circunstâncias extraordinárias.
No entanto, falou da necessidade de ‘medidas de gerenciamento’ para consumidores de grande porte e encorajou todos os brasileiros de evitarem o desperdiço de energia elétrica.
No dia seguinte, a ANEEL, a agência reguladora federal do setor elétrico, aprovou um ajuste de 56% da chamada bandeira vermelha patamar 2, a ser aplicado a partir do mês de julho.
Através o sistema de bandeiras, as distribuidoras de energia estão autorizadas a cobrar um valor extra que reflete o custo de geração de energia ao longo do ano.
O ajuste da bandeira vermelha, aprovado no dia 29, resultará em um aumento do preço média de energia elétrica de aproximadamente 5%.
E a ANEEL insinuou que poderá ter aumentos ainda maiores já a partir do mês de agosto.
Esses desdobramentos também têm despertado a atenção do Banco Central. Apesar do fraco crescimento econômico durante o 1º e o 2º trimestre, a inflação anualizada está em 8,06%, muito acima do ‘intervalo de tolerância, cujo teto fica em 5,25%.
Cada aumento de 5% nos preços da eletricidade aumenta a inflação em aproximadamente 0,2%.
Consequentemente, um novo aumento nos preços da energia elétrica poderá contribuir para um aumento adicional na taxa SELIC, que já sofreu três ajustes ao longo deste ano e atualmente está em 4,25%.
O governo federal espera poder conter a crise e recentemente estabeleceu um órgão específico – a CRGE (Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética).
Seu objetivo é facilitar a coordenação entre diferentes órgãos governamentais, implementar medidas de gestão de energia e evitar o racionamento.
Talvez, os brasileiros tenham sorte e consigam driblar esta crise. Talvez, em 2022, as chuvas sejam menos escassas que neste ano.
No entanto, a verdade é que não há solução de curto prazo para este problema. Em recente entrevista, Luiz Carlos Ciocchi, diretor-geral do ONS, disse que “para o setor elétrico caiu a ficha de que a gente deve considerar aquecimento global e mudanças climáticas dentro das nossas análises”.
Essas análises podem levar a uma conclusão bastante óbvia – em vez de construir ainda mais usinas hidrelétricas, ampliando o "novo mercado de gás natural", ou construindo mais uma usina nuclear, o país poderia considerar aproveitar um recurso abundante e extremamente confiável.
Estamos falando da energia solar. Ela oferece excelente complementariedade, tanto à geração hidrelétrica, quanto à eólica e pode ser implantado mais rápido do que qualquer outra fonte de energia.
Em um estudo recente, a BNEF estimou que a capacidade instalada da geração fotovoltaica poderá atingir os 124 GW até 2050.
Isto representaria um aumento de dez vezes da base instalada atual. Está claro, que outras fontes renováveis, especialmente a energia eólica, também irão crescer e que essa implantação maciça de fontes variáveis também exigirá investimentos significativos no armazenamento de energia.
No entanto, investir em energia solar fotovoltaica parece ser uma escolha natural para o Brasil – uma escolha que proporcionará energia barata, confiável e sustentável para todos os brasileiros.
Perspectivas para o portfólio de geração do Brasil em 2050
Em retrospectiva, a crise de 2001 ajudou em modernizar o setor elétrico brasileiro.
Desencadeou a privatização de empresas estatais ineficientes e criou condições para a inserção de novas fontes, tais como eólica e solar.
Tomara que 2021 tenha um efeito positivo semelhante.
AUTOR: MARKUS VLASITS, FUNDADOR E DIRETOR-GERENTE, NEWCHARGE ENERGY
©Markus Vlasits, director of NewCharge
Markus é diretor-gerente da NewCharge Energy, uma empresa de engenharia e desenvolvimento de projetos voltada para energia fotovoltaica e armazenamento de energia, sediada em Florianópolis. Em seu longo histórico no setor fotovoltaico, foi vice-presidente da Q-Cells na Alemanha, diretor executivo da Yingli Green Energy do Brasil e cofundador e diretor comercial da Faro Energy, uma empresa de investimentos voltada para projetos fotovoltaicos de clientes comerciais e industriais. Também coordena o grupo de trabalho de armazenamento de energia na ABSOLAR, a principal associação do segmento solar fotovoltaico brasileiro. É austríaco e reside no Brasil desde 2012.
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